Finalizei recentemente a leitura Lima Barreto: triste visionário, da historiadora Lilia Schwarcz. É impressionante o trabalho de pesquisa e estrutura da biografia. Todavia, de todos os fatos elencados, dois me comoveram: a relação de Lima com o negro Manuel de Oliveira e o funeral do escritor.
Manuel de Oliveira, ou Manuel de Cabinda, foi um homem sequestrado de sua nação e, ao chegar ao Brasil, foi comprado por um homem que o ensinou o ofício de plantar couves. Ao obter sua alforria Manuel continuou vivendo para economizar até que se enrabichou por uma moça e gastou suas economias na compra da alforria da amada. Uma vez juntos, tão logo a moça pôs a sumir, deixando para trás Manuel, o que influenciou um surto psicótico no homem ocasionando sua internação na Colônia dos Alienados, lugar em que trabalhava o pai de Lima Barreto. O encontro e a amizade selada por mais de trinta anos entre Lima e Manuel, provocará profundas influências no escritor, principalmente, no que tange a africanidade sempre tão buscada por Lima.
Manuel se assemelha aos personagens de Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, nos quais são sempre saudosos da terra e família deixadas do outro lado do Atlântico. Lima em crônicas narra como os colóquios e rememorações de Manuel o transportavam além mar e o ajudou a ter uma consciência racial e de classe na qual o negro está inserido. Tendo recebido alta, Manuel passou a viver junto com a família do escritor, experienciando assim, até o fim da vida, afeto e uma amizade que para sempre marcaria a vida o autor.
Pobre alma de negro que me acompanhou durante quase trinta anos […]. Devo-lhe muito amor e devotamento. (p. 97)
O segundo momento que o texto biográfico me emociona ao ponto de ficar com os olhos marejados foi a narração sobre os últimos dias de Lima e seu velório. O jovem escritor, depois de anos de consumo excessivo do álcool mais uma vida de frustrações e desamor, passa os dias em sua Limana – como chamava sua biblioteca – a ler seus amados livros. Com uma revista no colo, deitado em sua cama, é como Evangelina, sua irmã, encontra-o morto, após um infarto fulminante acompanhado de uma suposta pneumonia que o acometia.
O velório em casa contou com poucas pessoas, mas a caminhada com o caixão até o cemitério agregou pessoas que compartilhavam a rua com as andanças sóbrias e ébrias do escritor.
Eram pretos em mangas de camisa, rapazes estudantes, um bando de crianças da vizinhanças (muitos eram afilhados do escritor), comerciantes do bairro, carregadores em tamancos, empregados de estrada, botequineiros e até borrachos, com o rosto lavado em lágrimas, berrando […] o nome do companheiro de vício e de tantas horas silenciosas, vividas à mesa de todas essas tabernas.
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Obs.: Meu texto é caótico. É minha marca, talvez. Eu vou escrevendo e fabulações vão surgindo, e quando dou-me conta, meu texto iniciou-se falando sobre casas ao lado de um penhasco e terminam sobre telefones azuis dos bairros de elite de São Paulo.
Pois bem, fazendo jus a minha potencialidade de levar o leitor ao caos, citar Di Cavalcante no velório de Lima Barreto, remete-me a lembrar do pequeno filme que Gláuber Rocha fez sobre o enterro de Di, por conseguinte, não posso deixar de citar o vídeo do discurso de Darcy Ribeiro (que de tanto assistir já até decorei, pois considero a fala de uma linguagem poética ímpar… “Sua breve vida. Sem pele, com a carne exposta. Capaz de gozo decerto, não é, Glauber?”) sobre o caixão de Gláuber. Os velórios encerram-se aí, pois ainda não encontrei em minhas buscas de cortejos fúnebres no youtube (um nicho muito interessante) vídeos do velório do antropólogo.
Referência:
SCHWARCZ, L.M. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.