Vida acadêmica

Entre Santa Efigênia e voduns: Diálogos Makii ou Será eu uma makii?

Santo Elesbão e Santa Efigênia

Entre os séculos XVI e XIX cerca de seis milhões de africanos foram trazidos para o Brasil. Quem se interessa um pouco pelo assunto conhece, possivelmente, algumas das nações que tiveram seus indivíduos escravizados – jeje, iorubás, hauçás, congo, entre outros. Porém, a falta de informações, de documentações a respeito desse período aqui no Brasil, torna cada novo conhecimento um ponto a comemorar.

Em Diálogos Makii (2019), é apresentado integralmente o texto de Francisco Alves de Souza a respeito da transição da liderança da Congregação Makii. Fatores interessantes que esse texto revela são: I. Um texto erudito escrito por um homem preto que não se sabe bem conseguiu uma formação intelectual, pois exerceu a função de barbeiro ao longo do cativeiro que durou quarenta anos; II. A organização dos negros makii no campo religioso e social; III. Demonstração de haver uma constante ligação com o continente africano ao ponto de abordar questões atuais que se passavam na região que os congregados vieram; IV. A mais importante para mim: o conhecimento desse tronco étnico makii/mahi/makki, do qual foram capturados e enviados a maioria para o Rio de Janeiro.

Os makii se destacavam por serem apreciados em sua “facilidade” em se adaptar ao serviço imposto. Muitos exerceram o ofício de barbeiros e quitandeiras, o que corroborava para em cerca de 15 anos obtivessem sua alforria. Uma vez forro parte buscava instrução para desempenhar melhor os novos papeis na sociedade brasileira, inclusive o de tornar senhores de escravizados. Esteticamente, eles também se destacavam pelas marcas corporais típicas da etnia, descritas como desenhos de cobras no rosto e no tronco.

Relevante é que possivelmente, a primeira escritora brasileira é uma mulher pertencente a um sub-grupo makii, os couranas, a Rita Courana ou como foi ficou mais conhecida, a Rita Egipcíaca, uma negra escravizada que trabalhou por anos como meretriz. Depois de uma doença, uma profunda transformação operou-se na mulher, fazendo-a ser vista como santa, mística. No seu intento de escrever o que se passava consigo, aprendeu a ler e publica um livro, que mais tarde será destruído pela Inquisição.

O fato de cerca de 200 negros makii se organizarem e fundarem uma congregação religiosa católica representa um poder de ajuntamento em um tempo de comunicação truncada, mas também a fraternidade makii transvertida de fé católica. Esse último ponto é questionável, uma vez que lemos Francisco Alves argumentando com propriedade sobre a fé católica e  demonstrando uma certa graça divina em seguir tal religião. Longe de ser autoritária e impor minha concepção da real finalidade da congregação, porém penso que a fé em Santa Efigênia era sim um argumento dúbio que referendava perante a sociedade a necessidade de mais de 200 negros se reunirem. É bom lembrar, que a a polícia não via com bons olhos ajuntamentos pretos, por temerem confabulações para futuras revoltas. Uma vez justificada pela necessidade de honrar uma santa católica (e negra!), os pretos tinham livre acesso a Igreja e a reuniões.  Francisco também deixa transparecer em seu texto que pertence a uma ala mais conservadora, que não aprecia a miscelânea de ritos makii e católicos. Oposto ao antigo rei da congregação, falecido, por isso o processo de transição ao qual Francisco é escolhido como sucessor, porém enfrentando resistência de um grupo liderado pela viúva do rei anterior. 

Igreja Santo Elesbão e Santa Efigênia (Rio de Janeiro) - Tripadvisor

O livro é um libelo e também um corolário das pesquisas de brasileiros que buscam saber mais sobre o que nos foi tirado. Em breve – tão logo, assim espero -, quero visitar a Igreja de Santa Efigênia, no Rio de Janeiro. Construída pela congregação de Makii, hoje ela está presente bem no fluxo comercial do centro carioca. Espero um dia adentrar no templo pisado pelos pretos da Costa da Mina, que em tempos de morte e dor, conseguiram burlar o sistema escravista criando uma sociedade com viés religioso, mas acima de tudo, de resistência.

SOARES, Mariza de Carvalho (org.). Diálogos Makii de Francisco Alves de Souza: manuscrito de uma congregação católica de africanos Mina, 1786. São Paulo: Chão Editora, 2019.  

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